Carta-frete resiste à formalização



 A irregularidade das formas de pagamento para a maior parte dos quase 1 milhão de caminhoneiros autônomos continua driblando a fiscalização do governo e impedindo o aperfeiçoamento dos negócios com transporte rodoviário no país. Após ser considerada oficialmente ilegal desde 2010, a carta-frete — um vale entregue pelo contratante ao motorista para ser trocado em postos de combustível — ainda resiste.

Nem mesmo o esforço para regulamentar a atividade, com a chamada Lei do Descanso (12.619/2012), conseguiu mudar uma prática existente há mais de 60 anos. O portador da carta-frete ainda paga elevado ágio nas trocas que faz, de até 30% sobre o valor corrente do diesel, da alimentação e da hospedagem.

A lei que proíbe a carta-frete instituiu a sua versão eletrônica, voltada para estimular a formalização do setor e para combater a sonegação de impostos. Carlos Ari Sundfeld, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), ressalta que a elevada informalidade do uso de papéis sem valor legal nas negociações agrava as condições de trabalho dos que dirigem o próprio caminhão sem qualquer direito trabalhista. “A vantagem de cobrar menos por não recolher tributos não compensa por causa da falta de confiança no serviço prestado”, acrescentou.

Para fechar o cerco, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão que reúne secretários estaduais de Fazenda e a União, estipulou, em agosto último, que todas as cargas transportadas recebam um registro eletrônico. O Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e) visa combater desvios estimados em mais de R$ 70 bilhões ao ano — só não se aplica às companhias inscritas no Simples.

Desde 2011, o governo determina que todos os fretes sejam cadastrados no Código Identificador de Operação de Transporte(Ciot), sistema que registra os custos e o tempo de transporte. “Quando o pagamento do frete é feito por cartão magnético, as informações sobre as cargas e o trajeto são enviadas na hora à Receita Federal, reduzindo drasticamente a sonegação e o caixa dois das empresas”, explicou Alfredo Peres, presidente da Associação dos Meios de Pagamento Eletrônico de Frete (Ampef).

Ele ressaltou que, como o autônomo não recebe o pagamento em dinheiro, não consegue comprovar renda, nem contribuir com a Previdência e tampouco ter acesso às linhas de crédito para trocar de veículos. A idade média da frota de caminhões no Brasil é de 20 anos, e os veículos antigos provocam graves acidentes e reduzem a produtividade.

 

Modernização

Preocupados com essa realidade, 10 associações privadas propuseram ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), no fim de novembro, um plano para modernizar a frota de transporte de cargas, substituindo 30 mil unidades ao longo de 10 anos. A ideia central está no incentivo para que o caminhoneiro negocie o veículo antigo e compre um modelo mais novo.

Os caminhões com mais de 30 anos de uso representam 7% da frota, cerca de 200 mil, e estão envolvidos em 25% dos acidentes graves. Mas para o caminhoneiro Eduardo Pimenta, 51, uma renovação de frota compulsória seria o “golpe mortal” para os autônomos. “Restaria a eles só venderem o caminhão velho e procurarem outra atividade”, resumiu.