A Lei é a 12.249/10, que proíbe o uso da carta-frete - prática ainda amplamente adotada no país - e estipula que o pagamento feito aos cerca de 1 milhão de caminhoneiros autônomos seja feito por meio de depósito bancário ou via cartão.
A carta-frete nada mais é que um pedaço de papel com o valor do frete que a embarcadora ou transportadora entrega ao caminhoneiro como “pagamento” pelo carreto. De posse do documento, ele deve trocá-lo em postos de gasolina, previamente selecionados, por combustível, alimentação e hospedagem. É obrigatório o consumo de no mínimo 40% do valor da carta-frete. Uma modalidade classificada pelo jurista Modesto Carvalhosa como um regime análogo à escravidão, visto que o caminhoneiro não tem liberdade para consumir aonde queira e precisa pagar um valor extra para cada consumo que faça.
É uma moeda paralela, que fere o ordenamento jurídico do país.
Segundo o jurista, Ives Gandra Martins, a carta-frete “é um instrumento ajurídico. Do ponto de vista tributário, não se trata de documento com registro fiscal, não havendo qualquer espécie de controle em sua emissão ou sobre valores envolvidos, o que pode ensejar a utilização de “Caixa 2”, sonegação de encargos sociais e impostos eventualmente incidíveis sobre tais operações”, afirma Ives Gandra.
Uma pesquisa realizada pela consultoria Deloite estimou que, em 2010, R$ 60 bilhões em frete transitavam na informalidade no país. No mesmo período, o IBGE apontou movimentação de R$ 16 bilhões/ano; a diferença de R$ 44 bilhões é o que o governo não acessa e não vê. Numa projeção modesta de recolhimento de impostos sobre a arrecadação, o valor de R$ 12 bilhões é mais que crível, é uma cifra que ajudaria e muito a resolver um dos principais problemas do país: o gargalo logístico.
Sabe-se da importância e da pujança do agronegócio, que gerou US$ 32 bilhões para o Brasil em 2012, de acordo com dados do Ministério da Agricultura. Esta cifra poderia ser multiplicada caso a prática da carta-frete fosse exterminada e os recursos oriundos do recolhimento de impostos – de embarcadores, transportadores, postos de gasolina e caminhoneiros – fossem aplicados nas estradas, aumentando ganhos de produtividade e reduzindo perdas de mercadoria e de vidas.
O que se vê hoje é um círculo vicioso de sonegação de impostos, criminalidade, falta de investimento e acidentes nas estradas. Tanto é que a Polícia Federal instaurou inquérito para apurar continuação de uso da carta-frete nas estradas brasileiras (IPL 0930/2012-4/SR/DPF/DF), que está sendo investigado na Superintendência do Distrito Federal.
Na prática, o que ocorre é que o caminhoneiro não sabe quanto receberá em cada viagem que faz, já que com a carta-frete ele está submetido ao pagamento de ágio, cobrado pelos postos de gasolina que fazem a troca da carta-frete.
Sem planejamento financeiro e com margens reduzidas, ele não faz a manutenção necessária em seu caminhão e também não tem comprovação de renda, o que o impede de recorrer a um empréstimo para troca de veículo. Resultados: frota com 21 anos em média de uso, segundo dados da ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre), e caminhoneiros provocando sérios acidentes e morrendo mais que qualquer outra profissão no Brasil, segundo dados do Ministério do Trabalho, e atingindo marca de 8 mil mortos por ano.
Do lado dos empresários, a prática prejudica embarcadores e transportadores que cumprem a lei, pagam seus impostos e sofrem com a concorrência desleal. Para o governo, além da perda fiscal, há ainda custos com vítimas e acidentes nas estradas.
O pagamento como prevê a lei permite que as movimentações financeiras sejam acompanhadas pela Receita Federal. Quando o pagamento é feito via cartão, cabe à administradora de meios de pagamento eletrônico de frete registrar a operação por meio de um Ciot (Código Identificador de Operação de Transporte), que contém as informações sobre tipo de carga, destino etc, que são passadas à ANTT, Fisco e Ministério dos Transportes.
Além do que já foi citado, o caminhoneiro se beneficia do pagamento legal, pois garante o recolhimento correto à previdência e ainda pode usar os registros do pagamento em cartão como prova de rendimentos para ter acesso ao financiamento para troca do seu veículo. E aqui, cabe ressaltar de que o valor do IR pago pelo carreteiro é de 10% (dez por cento) da receita bruta. É o menor índice para profissionais autônomos.
Abolir a carta-frete, mais do que uma questão de cidadania, é uma questão de economia. Afinal, só a título de comparação, os R$ 12 bilhões sonegados seriam suficientes para construir um trem-bala a cada três anos e corresponde ao valor total aplicado em infraestrutura pelo Ministério dos Transportes em 2013.
*Alfredo Peres, presidente da AMPEF (Associação das Administradoras de Meios de Pagamento Eletrônico de Frete).